quarta-feira, 23 de julho de 2014

Escutatória


Depois de ver tantos cursos de oratória, pensei em oferecer um curso de escutatória, mas desisti porque ninguém quer aprender a ouvir. Isso é complicado e sutil.
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito. É preciso, também, que haja silêncio dentro da alma. Aí está o difícil.
Não aguentamos ouvir o outro falar, sem logo dar um palpite melhor... Até nossas desgraças tem que ser maiores!
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade. No fundo, nós somos os mais bonitos... Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar um concerto, ficam em silêncio sentados diante do piano, esvaziando a alma e expulsando todos os sentimentos estranhos.
Alguns índios americanos usam o bastão da fala. Quem o empunha tem livre uso da palavra, quando todos ouvem com atenção e fazem uma pausa antes do próximo começar a falar. Falar em seguida seria uma grosseria e desconsideração. E não basta o silêncio de fora. É preciso o silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia. Eu comecei a ouvir!
No fundo do mar – quem mergulha sabe – a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também.
Comunhão – comunicação verdadeira – é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto. 
 

Rubem Alves (15/09/1933 — 19/07/2014)

Nenhum comentário:

Postar um comentário