segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Companheiros de viagem


 
Antes de qualquer outra coisa, vou avisando que sou ótima companhia de viagem. Não é que meus companheiros digam isso para me agradar. É que aprendi que o tempo desfrutado fora de casa, em qualquer lugar do país ou do mundo, é precioso demais: é raro e é caro. Férias e dinheiro são coisas que não se desperdiçam arranjando confusão, ficando emburrado, reclamando do frio ou do calor. Isso a gente pode fazer em casa.

É em casa também que cultivamos nossas mais desarrazoadas manias. Convém trancá-las numa gaveta antes mesmo de fazer a mala quando se viaja acompanhado, a não ser que se saiba muito bem como conciliá-las com o interesse dos outros. Se alguém, por exemplo, não abre mão de corrida matinal, tem também de ver se esse costume não obriga outros a esperar para começar o dia ou a desistir de um programa com horário marcado. Quando as manias da gente tentam se impor a um grupo, o cartão da boa companhia perde muitos pontos logo de saída.

Conheço pessoas que não se importam em viajar. Preferem a solidão a correr riscos com uma companhia chata. Talvez elas mesmas sejam muito maníacas e não suportem desistir temporariamente de seus hábitos e costumes. Seja como for, sempre me pergunto como será fazer refeições sem ter com quem discutir o cardápio e mastigar a comida olhando para o vazio. Parece sem graça.

Viagens são perfeitas quando um grupo reúne gente que gosta mais ou menos das mesmas coisas e tem ritmos semelhantes para acordar, para caminhar, para comer ou para gastar. Melhores companhias são aquelas que conciliam o próprio prazer com o dos outros. São relaxadas, flexíveis, independentes. Contam boas histórias e não se estressam à toa. Sabem que o melhor da viagem pode acontecer no que não estava programado. Isso, claro não inclui pessoas complicadas em volta.
 
NEGÓCIOS, negócios...
Uma das maiores complicações em viagens em grupo é lidar com dinheiro. Há pessoas que fazem uma caixinha para os gastos de toda hora: a parada para o café, o taxi para a balada, os ingressos dos museus. Há outros que revezam espontaneamente a vez de pagar isto ou aquilo de modo que todo mundo abra a carteira em cotas parecidas ao longo da viagem.

Gente pão-dura que passa o tempo com a calculadora na mão fazendo a conversão da moeda e achando tudo caríssimo, deve ser evitada a todo custo. São pessoas insuportáveis e em geral submetem todos a seus rigorosos critérios financeiros. Mas acontece de um grupo incluir alguém com orçamento muito bem limitado. Quando se aceita como companhia alguém nessa circunstância é preciso estar disposto a pagar a ela alguns jantares ou noitadas. Do contrário não se iluda, vai pesar um clima desagradável sobre o grupo.

Cortesias com dinheiro. No entanto, devem ser procedidas de forma discreta. Gentilezas financeiras podem se transformar em ressentimento e mágoa tanto da parte de quem oferece como de quem recebe. Parece estranho? Pois já vi boas companhias quebrarem a cara quando se excederam em generosidades. E também vi generosos transmutados em cobradores implacáveis. Pessoas não são fáceis.

Problema sério de viagens acompanhadas são as compras, esteja você com amigos ou com seu amor. Muitas vezes a gente só percebe que se deu mal na hora em que aparece o roteiro de lojas a serem visitadas. É conflito na certa se uma parte do grupo ou um lado do casal detesta passar o tempo dentro de grandes magazines ou no comércio de equipamentos eletrônicos.

Se você for do tipo que só entra numa loja ao deparar com algo extraordinário – uma banca de azeites na Toscana ou de temperos na Provence – precisa deixar isso bem claro ao grupo antes da viagem. Para não atrapalhar os planos e compras dos outros, a boa companhia parte para o seu próprio passeio e marca um horário num ponto de encontro que disponha de wi-fi. Quem gosta de comprar sempre se atrasa preenchendo o formulário para o tax-free.

CADA UM PARA UM LADO
A boa companhia é independente. Com o Google Maps na mão e três ou quatro lugares planejados para visitar, o viajante acompanhado tem todo o direito de se separar do grupo para se refugiar num canto qualquer de sua preferência. Se ele estiver cercado de boas companhias, ninguém ficará chateado. Nem todo mundo gosta de museus. Ou de andar a pé. Não é de gostar de fazer tudo junto o que faz as companhias serem boas. Só más companhias não desgrudam jamais.

Bons companheiros às vezes topam com alguém no grupo que não fala língua alguma. Num caso desses, saibam eles que o monoglota vai colar nos mais desembaraçados para fazer os pedidos no restaurante, à recepção de hotel, à balconista da farmácia. Ninguém precisa ser fluente em inglês, francês ou croata para ser boa companhia, basta conseguir se comunicar. Numa situação dessas, porém, não há escapatória além de ajudar quem está desconfortável ou inseguro. Paciência não tem jeito.

Bons companheiros respeitam duas outras regrinhas importantes que, se descumpridas, podem azedar o humor do grupo. A primeira é o cumprimento dos horários combinados. Se todos acertaram de se encontrar às 8,30 h, para tomar o café da manhã, não importa se é dia de lavar o cabelo. A boa companhia acorda mais cedo e chega junto. Saiba que aqueles que esperam retardatários no saguão do hotel sempre falam mal dos que demoram para descer, por mais que sejam bons companheiros.

A outra regrinha trata do tamanho da bagagem. Se companheiros vão dividir o espaço no quarto de hotel, no apartamento alugado, no carro ou no trem, devem lembrar de que, quanto mais leve, melhor a companhia. O ideal seria um volume, além da bagagem de mão.

Existe uma lei universal das viagens que vale tanto para os chatos como para os bons companheiros: elas passam rápido demais. Quando a gente vê já está rodando a chave na porta de casa e administrando a ansiedade com a próxima fatura do cartão. Enquanto durar, a viagem com companhia tem de ser divertida e descomplicada. Na volta, ao olhar para trás, a lembrança trará dias radiantes – mesmo que tenha chovido sem parar.

Quando viajo, em dupla ou em grupo, meu mantra é uma canção na voz de Gal Costa. Dizem os versos: ”Quando a gente está contente, tanto faz o quente, tanto faz o frio, tanto faz. Quando a gente esta contente, nem pensar que está contente, a gente quer”.

Viajar é o barato total, mesmo que custe caro !
 
Mônica Valdvogel

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário