“Jamais uma pessoa consegue se banhar no
mesmo rio”; afirmava o filósofo com sabedoria.
Nada é permanente, tudo flui, tudo é
passageiro, talvez com exceção da mudança que permanece. Estou atravessando
mais uma fase, um fim/recomeço de mais um ciclo de vida, que se substitui e se
completa como as estações do ano no tempo circular.
Após uma temporada de vinte anos, estamos
deixando o nosso apartamento do Morumbi para morar em definitivo no Guarujá,
SP. Foram quinze dias estafantes de contato com as nossas lembranças,
descoberta de objetos inanimados impregnados de história que remetem a bons
momentos e a outros nem tão bons assim, mas que no final valeram a pena.
Hoje, prestes a entregar as chaves, a
nostalgia se faz presente no som cavo das nossas passadas que ecoam no nosso
apartamento vazio. E, de maneira quase autônoma e sem nenhum controle, uma
retrospectiva se descortina perante os olhos da mente.
Ontem, retornamos de Taubaté onde
participamos da comemoração de Bodas de Prata da minha filha Letícia Maria e do
Paulo Henrique, em bela e tocante cerimônia organizada pelas minhas netas Ana
Amélia e Ana Beatriz. O meu amigo Padre Fred, que realizou o casamento há vinte
e cinco anos, esteve presente para a renovação da bênção nupcial e a todos encantou
com sua verve inteligente e espirituosa mesclando alegria e piedade, como
sempre falando mais para os corações do que para as cabeças. Abraçar e rever
amigos de infância, colegas de escola, gente que participou da primavera da
minha vida foi emocionante. Quando minha filha fez o seu discurso de
agradecimento, não pude conter as lágrimas mornas e saborosas que costumam ser
mais frequentes no nosso outono.
Myrta, minha mulher, a custo consegue aceitar
o bom senso e a racionalidade de um casal maduro deixar um apartamento de quase
300 m² no Morumbi, com todas as despesas inerentes, pelo conforto e aconchego
da nossa casa de praia, agora transformada em residência permanente. Como ela
postou no Facebook, ali estão sendo deixados ¾ da sua vida, na verdade ¹/3
da nossa história. Esse apartamento foi um sonho dela, acabado com detalhes por
ela idealizados, como a mesa italiana de travertino com dez lugares, a coluna
grega na divisória da sala de jantar, o enorme bar Fiorentino de 45°, onde
quase tudo acontecia, o closet/escritório, a cama king size italiana, etc. Deixá-lo, para ela é deixar um pedaço de
si. Ainda bem que não foi vendido, só alugado. Jantares, festas, recepções,
formaturas, natais, breakfast antes
do Pantanal, aqui ali aconteceu tudo isso e muito mais.
Ali vimos crescerem filhos e netos. Karina,
que veio menina e decorou com estrelas no teto a sua suíte com cama de viúva.
Cresceu, formou-se, viveu no exterior, morou em Floripa e São Roque. Casou-se
com o André e mudou-se para sua casa nova na Granja Viana. Marcelo, menor
ainda, formou-se engenheiro de alimentos, morou na Espanha, fez pós de Chefe de
Cozinha Internacional e hoje é um empresário de sucesso e consultor renomado,
graças aos próprios méritos e uma mãozinha da Ivana. Minha primeira neta, que
primeiro usou a Jacuzzi num banho
improvisado pelas circunstâncias, hoje é professora de dança no Colégio Dante
Alighieri. Hoje, a caçula tem 6 anos.
Ali também viveram os pais da Myrta no final
da vida, com todo o carinho da família.
Doamos fogão, sofás, centenas de livros, quadros,
esteira, eletrônicos, material de expediente, roupas, utilidades domésticas e
brinquedos acondicionados em quinze sacos de 100 litros cada um.
Se a Myrta está com quinze anos, eu me sinto
com dezoito e muito feliz por me livrar de velharias que me acorrentavam a
fantasmas do passado e concorriam para o mofo da alma. Foram muito bons os anos ali vividos, mas com a mudança sinto-me livre, jovem e animado para a nova fase que
começa. Como diz a minha filha: desaquenda !
Que venha a primavera da vida
outra vez !
130408.b
x
ResponderExcluir