Meu
irmão enviou-me uma crônica, de autoria desconhecida, versando sobre a coisa. Gramaticalmente,
coisa pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o
Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há
"coisar". Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué
Machado. Já as "coisas" nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais.
Na Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha.
Na
literatura, é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu
a crônica O Coisa, em 1943. A Coisa é título de romance de Stephen King. Simone
de Beauvoir escreveu A Força das Coisas, e Michel Foucault, As Palavras e as
Coisas.
Coisa
não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa
é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim!
Coisa
também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira
"coisíssima". Mas a "coisa" tem história na MPB. No II
Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas
vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras
coisas que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra
ver a banda passar / Cantando coisas de amor"). Naquele ano do
festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da
Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".
Cheio
das coisas. As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não
se esquece, Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração.
Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o
"rei" das coisas.
Por
essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de
cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. O
cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das
coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa. Para o
pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.
A
coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político
quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda
de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: "Agora a coisa vai."
Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa
feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!
Se
as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para ser usadas, por que
então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na
cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não
compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Por
isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: "amarás a Deus
sobre todas as coisas".
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